terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Choque cultural

Eis que chegou o momento de vocês rirem da minha cara. Riam à vontade, eu deixo. Porque hoje, que tudo já passou, eu dou risada também. Furos e mancadas na Turquia, alguns por burrice minha, mas a maior parte por desconhecimento da cultura local.

Bom, a primeira e mais clássica até hoje ainda acontece de vez em quando: rejeitar comida. Mesmo que eles digam que não é bem assim, é quase uma ofensa se alguém te oferecer comida aqui e você disser não. No Brasil é super  normal, você aceitar se realmente quiser e rejeita se não quiser, todo mundo vai entender. Mas aqui... desde o primeiro dia que cheguei, horas depois me oferecem comida na escola, e eu disse que não queria, que tava ok etc. Aí perguntaram  ‘tem certeza que não quer?’, com um tom de ‘você tá louco de rejeitar comida?’. Hahahahaaha eu me assustei e disse ‘sim,tenho ctz’ Foi pior. Mas no fim, me trouxeram a comida mesmo sem eu ter pedido. E não para por aí, dias depois um aluno me ofereceu um biscoito que ele tava comendo, e eu gentilmente disse ‘não,obrigado’, ele não aceitou minha resposta, tirou um biscoito e deu na minha mão, hahahaahah. Mas tudo bem, hojeem dia já tô me acostumando e até aproveitando esse costume de comer de graça toda hora =D.

Ainda sobre a cultura, eu não sabia que é meio que ofensivo você pegar a faca da mão de alguém, pra cortar o pão etc. Na cultura deles, se você passar a faca na mão de alguém é como se tivesse chamando a pessoa pra brigar. E eu obviamente não sabia disso e pedi a faca a uma aieseca turca depois que ela terminasse de usar. Quando ela fazia o movimento de colocar a faca na mesa, o espertão aqui foi e pegou a faca da mão dela. Daí ela me explicou toda a história cultura e tal, numa boa, porque sabia que eu não fazia idéia disso. Mas eis que 5 min depois, eu precisei da faca de novo e o que fiz? Acertaram, fui pegar de novo a faca da mão dela! Genial, não?

E como se já não bastasse, eu cometi o sacrilégio de dar um exemplo na aula [os alunos me perguntaram o que era wedding], e eu fui exemplificar a história toda do casamento e tal, que wedding era  a festa, mas antes os cristãos iam ter a celebração religiosa na igreja, assim como aqui os muçulmanos têm a celebração religiosa na mesquita. ‘A gente não casa na mesquita’, foi a resposta curta e grossa de um aluno me deu quando dei o exemplo. Eu ainda tentei me consertar, fazer uma brincadeira e tal, desviar o assunto, mas ele voltou a repetir, meio bravo, ‘não tem celebração nenhuma na mesquita’. Hahahaha então tá, né...’let’s  go to page...’
C
E não pensem que parou por aí. Mas essa próxima nem é tão pesada. Eu simplesmente fui tentar 2x fazer a gentileza de pedir pra segurar as coisas de alguém no ônibus, já que eu tava sentando e a pessoa de pé. E como eu não falo turco, fiz só o gesto. E algo que é muito comum no Brasil, aqui não é. Claro que tem gente que segura as coisas dos outros, mas no Brasil é quase uma lei da rua que você sempre pede pra segurar as coisas de quem tá de pé no ônibus. Depois de 2 tentativas frustradas, as pessoas dizendo que não precisava, fui pra terceira[ e última], porque na terceira tentativa, apontei pra sacola que o cara tava carregando e ele passou 5 min olhando pra calça, achando que eu tava dizendo que a calça dele tava suja!

E pra fechar com chave de ouro, uma mancada não cultural, uma mancada clássica da minha vida. Fui pegar as contas que ficam na caixa de correios, do lado de fora da casa e do portão que tem antes de abrir a porta do apartamento. Só que o gênio que vos fala foi sem levar a chave, e aqui tudo se tranca por fora, e só dá pra abrir com a chave. Daí fiquei do lado de fora do apartamento, descalço, no frio e sem  chave no bolso. Mas ainda bem que é um prédio com vários apartamentos, daí interfonei meu vizinho, que olhou pela janela e apontei pra porta, dizendo que eu tava trancado por fora. Ele veio, abriu pra mim e saiu com cara de ‘além de não falar turco ainda é burro’. Uhahuaahuahuauhauhau, podem rir, riam à vontade.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Where are you from?


É muito interessante ser brasileiro em outro país. Na verdade ser estrangeiro. E sendo um brasileiro aqui na Turquia me fizeram perceber como os turcos veem os brasileiros. E eu me surpreendi.

Primeiro que ninguém tem noção que se fala português no Brasil. Alguns ainda chutam que se fala espanhol, mas a maioria nem tem idéia de que idioma a gente fala. E quando eu digo que falo português, eles logo perguntam se é parecido com italiano. A capital então, pouquíssima gente sabe outra cidade no Brasil além do Rio (e logo ficam surpresos quando digo que o Rio além de não ser capital, não é a maior cidade). E todo mundo quer vir pro carnaval no Rio, vocês não tem noção. Perguntam como é, quando é, se é caro, se eu já fui etc etc etc. Eles até ameaçam dançar.

Segundo que muita gente me acha branco demais pra ser brasileiro. Juro. Um vendedor numa loja chegou até a mencionar que não acreditava que eu era brasileiro, porque, segundo ele, ‘brazil... you know, black people’. Um aluno lá da escola[adulto já] não acreditou por nada no mundo que eu era brasileiro, mesmo com um outro professor confirmando pra ele que eu era. Só acreditou mesmo quando eu mostrei meu documento legal aqui na Turquia. E mesmo que eu explique que no Brasil a gente não tem um padrão de raça, não adianta, eles sempre relacionam brasileiros a pessoas de cor escura, talvez pelos jogadores de futebol famoso.

E por falar em futebol, vocês não imaginam como eles são doentes por futebol. Alucinados. Apaixonados. Fanáticos. A ponto de dizerem que vão torcer pro meu time no Brasil, mas eu tenho que torcer pro time deles daqui. E me perguntam se eu jogo, quem é meu jogador favorito, qual meu time etc etc etc. Por sinal, já tá pra chegar minhas estréia nos gramados turcos, todos me escalam no time só porque sou brasileiro. Moral? Não. Responsabilidade. Vão achar que sou um Ronaldinho da vida. Torçam por mim!

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

2012

" When a man is young, he is usually a revolutionary of some kind. So here I am speaking of my revolution." Wydam Lewis [encarte do Send Away The Tigers]


...


Aqui, do subsolo, eu vejo minha vida inteira. Vejo o passado, os passos que eu dei e os pregos em que pisei. Vejo um lago que virou rio, com correnteza, e então o rio virou mar, com ondas grandes e fortes, capazes de derrubar qualquer barreira no caminho.

Aqui, do subsolo, eu vejo as pessoas. Elas vêm e vão, talvez permaneçam, tomara. Eu vejo o modo como me tratavam, porque eu, eu observo tudo. E observei-as inúmeras vezes afirmando que nasci sem coração. Ao mesmo tempo, eu as via desesperadas, carentes, com uma vontade de imediatismo que contraria a lógica do existir. Porém, devo confessar, por alguma delas até me preocupei, talvez indevidamente, talvez por excesso de coração.

Aqui, do subsolo, eu vejo um prédio. Não. Eu vejo vários. É uma metáfora do que nossa existência se tornou: absolutamente concreta. Concreta até demais, sem espaço para o abstrato, para as coisas apenas sentidas. Afinal, de que vale o entrelaçar das mãos, se por dentro não há o frio na barriga, o calor no coração?

Aqui, do subsolo, eu vejo o futuro. Enxergo perfeitamente que não há nada a ser visto, pois estamos sempre por conta do inesperado.  Vejo que não há nada que se possa temer, nem nada do que se possa envergonhar. Vejo que a ousadia é o que vai me levar longe e que as portas vão estar sempre fechadas para aqueles que não se arriscam a abri-las.

Aqui, do subsolo, eu vejo uma luz. Ela me traz de volta, não ao solo, mas a algo mais acima. Essa mesma luz já me cegou um tempo atrás, ou talvez eu já fosse cego. Eu a chamo de luz do tempo, pois, através dela, aprendi a esperar, a ouvir, a viver. E o mais importante, aprendi a aprender.

Aqui, do subsolo, eu vejo tudo. Via, pois estou de saída. Já vi o bastante, agora vou sentir.


[So i started a revolution from my bed]